O contexto de criação do Modelo das Organizações Sociais de Saúde (OSS) é o da Reforma do Aparelho do Estado. A partir desta, tornou-se difundida a noção de que o Estado deveria ser o provedor de alguns serviços considerados não exclusivos, e não seu produtor. A transferência da responsabilidade da oferta de serviços, já prevista na Lei 4.320/64, era vista como meio para se alcançar eficiência e aumento da oferta de serviços. Em 1997, através da medida provisória nº 1.591, foi criado o Programa Nacional de Publicização, que autorizava ao Poder Executivo a transferência da gestão de bens e serviços públicos para as organizações sociais. As OS são entidades privadas, sem fins lucrativos que, através do contrato de gestão– que compatibiliza as metas de serviço e/ou atividades que devem ser cumpridas pela organização - prestam serviços públicos tendo como fonte de recursos a administração direta.
O marco legal que regulamenta a existência das OSS em nível federal é a Lei 9.637/98, que estipula as exigências a serem contempladas no contrato de gestão. No nível estadual, a Lei complementar nº 846/98 regulamenta a atuação das OSS. É preciso ressaltar que ambos dispositivos estão vinculados a Lei nº 8080/90, a Lei Orgânica da Saúde, que prevê a atuação de entidades na área da saúde sob caráter essencialmente complementar e, preferencialmente tendo como prestadoras dos serviços organizações filantrópicas e sem fins lucrativos.
Segundo informações do portal da transparência do governo do estado de São Paulo, os serviços de saúde gerenciados por OSS compreendem desde hospitais até a administração do sistema responsável pela regulação da oferta de serviços na área hospitalar e ambulatorial, o sistema CROSS. Ao que parece, há muito a atuação das OSS deixou de ter caráter complementar, como aquele definido pela Lei Orgânica da Saúde. Tal fato suscita discussões sobre os resultados e impactos do modelo, nas quais são destacados especialmente os critérios de abrangência, custo, eficiência e efetividade.
Em 2011, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo publicou relatório comparativo entre hospitais sob a administração direta e aqueles gerenciados por organizações sociais. Os resultados indicam que, do ponto de vista de administração financeira, tanto os hospitais da administração direta quanto os que são administrados por OSS representam prejuízos ao tesouro estadual. Contudo, os resultados mais alarmantes são observados na prestação dos serviços,considerando parâmetros de eficácia ou da qualidade destes: a mortalidade geral (clínica, cirúrgica e pediátrica) é maior nos hospitais geridos pelo modelo OS em comparação aos da administração direta; a relação enfermeiro/leito é maior nos hospitais AD[1]. Do ponto de vista da remuneração dos trabalhadores, o relatório conclui que os diretores e médicos dos hospitais OSS recebem salários acima da média de mercado, e maiores do que os recebidos por seus pares na administração direta, enquanto que os profissionais "da ponta", ou seja, enfermeiros, técnicos em enfermagem e auxiliares são melhor pagos em hospitais da administração direta.
Embora os resultados acima descritos possam levar ao leitor a conclusão de que hospitais da administração direta são melhores, mais eficientes e efetivos do que aqueles administrados pelas OSS, a relação não é tão clara e simples. Segundo o trabalho de Pahim, dois pontos devem ser levados em consideração: 1) há dificuldades em se determinar a adequação da avaliação restrita ao custo financeiro como termômetro da atuação das OSS; 2) Do ponto de vista da avaliação e controle, o governo do estado de São Paulo parece ter negligenciado a importância de se realizar um acompanhamento da gestão financeira das entidades. Embora o contrato de gestão seja o instrumento de compatibilização das demandas do ente em relação a oferta de serviços de saúde e a entidade prestadora, os resultados sugerem que o governo do estado de São Paulo não foi capaz de criar uma lógica de controle financeiro por resultados que pudesse ser medida através do contrato de gestão. Se a oferta de serviços de saúde para a população por parte das OSS constitui uma transferência da responsabilidade de sua prestação por parte da administração direta, tal acompanhamento é essencial para a comprovação da eficiência, eficácia e efetividade dos serviços.
Não é possível negar, entretanto, que os indicadores de qualidade do serviço – mortalidade global, profissionais/leito – não apontem para a uma situação grave do modelo OSS. Em suma, as organizações são deficitárias em um aspecto essencial e que justifica a sua existência: a promoção da atenção a vida. Estudos posteriores podem se voltar para o análise minuciosa dos dados, buscando determinar a estrutura causal das lacunas do sistema.
A avaliação, não somente do custo financeiro da OSS, mas também dos efeitos e impactos da prestação dos serviços dessas entidades deve ser prioridade, não só por se tratar de um setor estratégico e de suma importância, mas também e principalmente pela magnitude de sua cobertura, bem como a atual adoção desse modelo por outros estados da federação. Atualmente, as vantagens – e limitações – do modelo OSS são desconhecidas pelo poder público, assim como acontece em tantas outras áreas de sua atuação.
[1] Administração direta.
[2] *A Lei 4.320/64 prevê a concessão de subvenções sociais para a prestação de serviços nas áreas de saúde, educação e assistência social quando o fornecimento desses serviços pela iniciativa privada for mais econômico e vantajoso para o Estado (Art. 16 e 17).
Bruna Barcellos Mattos é graduanda do bacharelado em Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo. Artigo escrito para a disciplina de Gestão de Organizações sem Fins Lucrativos.
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